quinta-feira, 18 de junho de 2009

Por que o bacharelado em Jornalismo ainda é imprescindível para a sociedade?

- Por Ismar Capistrano C. Filho*

O julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o Recurso Extraordinário 511961, na quarta, 17 de junho de 2009, mostrou-se completamente equivocado não só em sua sentença, mas nos argumentos tanto dos defensores quanto dos opositores à exigência legal do diploma de bacharelado para o exercício do Jornalismo. O que caracteriza como perícia da atividade jornalística não é tão somente a conduta moral, ética e honesta do relato verídico dos fatos. Não há curso superior que possa garantir essa qualidade que deve compor a idoneidade humana. Até os referenciais para tal julgamento são, em determinadas situações, confusos dado que pode haver diversas versões sobre uma realidade.

A missão do jornalismo é, sobretudo, reconstruir essa multiplicidade de significados, dando vozes para os diferentes atores sociais por meio de um constante processo de checagem dos fatos. Todavia, não se pode aceitar que essa dificuldade justifique a produção de notícias baseadas numa supra-realidade que, muitas vezes, atende a exclusos interesses políticos, econômicos e culturais dos grupos controladores dos meios de comunicação. Mas infelizmente, essa situação é fato e, na maioria das vezes, os jornalistas pouco podem fazer contra essa circunstância porque, mesmo sendo um serviço imprescindível para a vida democrática, a produção jornalística está predominantemente submetida à lógica empresarial das indústrias culturais.

Duas éticas se confrontam nas redações: de lado, o interesse público, defendido pelos jornalistas, e de outro o particular dos empresários, comprometidos com a gestão, a sustentabilidade, a audiência e o lucro do negócio. Nesse contexto, restam três saídas para a ética jornalística: as brechas, as fissuras e os embates. As primeiras são as notícias que não estão submetidas aos interesses editoriais das instituições, permitindo uma autonomia de atuação para esses profissionais. Já as fissuras são os espaços não vigiados que possibilitam a subversão da política editorial.

No embate, a ética dos jornalistas possui um trunfo: a credibilidade de reconstruir a diversidade equânime do real é, sem dúvida, o maior patrimônio de qualquer instituição jornalística. Publicar notícias que distorcem voluntariamente à realidade em benefício do jogo de interesses pode comprometer o principal capital cultural dessas empresas, mesmo sendo, em muitos casos, sua principal rentabilidade. Assim, o jornalista deve posicionar-se constantemente de maneira crítica nas redações, questionando, resistindo e negociando a reconstrução da realidade apresentada por esses veículos. Sua ética torna-se uma postura de constante confronto. Jornalista conformado e acomodado em veículos comerciais é indício de subserviência à ética empresarial.

Desta maneira, a perícia principal do jornalismo é a seleção dos fatos atuais de relevância pública para a difusão coletiva. Para isso, o profissional precisa de uma profunda formação humanística baseada na compreensão do que seja o público, o convívio social, a diversidade cultural e as relações democráticas. O jornalista atua como fomentador do debate público, essencial para as decisões partilhadas. Além dessa formação ampla, o jornalista necessita também de uma capacitação técnica específica para produzir notícias adequadas às características dos veículos e dos receptores. Deve buscar superar a defasagem entre a transmissão e a recepção, através de iniciativas colaborativas e participativas na produção noticiosa. Por isso, o bacharelado é um curso imprescindível para a formação dos jornalistas dado que é a única graduação que permite um conhecimento, ao mesmo tempo, amplo e focado sobre um campo.

Lamentavelmente, nada disso foi discutido no Supremo. Os votos e argumentos da defesa e acusação, em nada, abordaram a missão pública do jornalismo, suas dificuldades, sua ética, sua perícia e sua técnica. Limitaram-se a discussões sobre a livre iniciativa de mercado para o exercício das profissões, a liberdade de expressão como um direito de foro íntimo (e não público) e à moralidade particular do testemunho da realidade. A regulamentação do jornalismo passa agora mais do que nunca para o âmbito das lutas sociais pela democratização da comunicação.

* Professor universitário dos cursos de Jornalismo da UFC, Fa7 e Fanor.
Jornalista e assessor de comunicação

2 comentários:

  1. É lamentável que os ministros do Supremo Tribunal Federal tenham tomado essa atitude tão absurda no qual contesto. Como pode o Sr. Gilmar Mendes comparar a profissão de jornalista como a de um cozinheiro. Não estou querendo desmerecer o pessoal que trabalha na cozinha, mas são formações diferentes. Isso foi um golpe à imprensa brasileira. A profissão de jornalista precisa piamente do curso superior. De uma formação mais apurada e qualificada dentro dos bancos da Universidade. Escrever e opinar não é para qualquer um. A informação precisa ser manipulada com muito cuidado. É necessário respaldo cultural e conhecimento universal do que é a informação. Que Democracia é esta, que não se discute um tema tão profundo de questionamentos com a sociedade em geral. Isso é um retrocesso, é tudo o que se possa imaginar. Duvido que alguém transforme um curso de Direito em técnico. Um curso de Medicina em técnico de medicina. Duvido mesmo! O sindicato de Jornalismo tem de ir à luta e reverter isso. Mas foi o Supremo Federal que decidiu, certo que deverá uma outra lei que possa tornar o Curso de Jornalismo em superior novamente. Sei o que as pessoas que estão cursando estão a passar neste, exato, momento. Muitos já estão migrando para outros cursos, pois o curso superior é uma meta a ser seguida neste país. Fico triste com isso. Fico decepcionado com esta decisão. É deveras retrógrada, mentes tão avançadas, tomarem tamanha decisão. Parece que gilmar mendes não gosta muito de jornalistas...

    ResponderExcluir
  2. Oi Gilson, vc tem razão. Obrigada por sua opinião tão bem elaborada.

    ResponderExcluir